quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Eu comprei um peixe

Olho pra ele e não consigo entender. De um lado pro outro a irritabilidade fica evidente pela quantidade de movimentos bruscos e olhares tortos. Dá até medo às vezes. Eu comprei um peixe. Já faz tempo. Mas não canso de olhar pra ele. É bonito, azul, brilhante. Nadadeiras compridas, que parecem um bonito e longo véu, balançando dentro da água clara. Mas voltemos à questão da índole perturbada do animal. Já conhecia a fama antes mesmo de comprá-lo. Fui avisado e mesmo assim paguei pra ver... literalmente. Três reais... foi quanto ele me custou. É um peixe Beta. A espécie inspirou o nome: Beto. E assim fiquei feliz de verdade com a aquisição de um novo amigo. AmigO porque acho que é homem, o vendedor não garantiu que de fato fosse. Ele também não sabia. Daí resolvi escolher o sexo. É macho. Macho e pronto. Mas aí me veio à cabeça a seguinte máxima. Amizade não se compra, né?! Muito menos se escolhe o sexo. De fato, se fosse assim os homens, provavelmente, iriam pôr bundão e cabelo comprido em todos os “brothers”. Por isso acho que o Beto se ofendeu com a maneira pela qual eu escolhi para incluí-lo na minha família. Achei que ele fosse entender, afinal não tenho gabarito suficiente pra pescar nem um lambari que seja, quanto mais um peixe como o Beto, que eu nem sei onde vive. E tem mais. Tive que comprar porque achei que poderia ser difícil conquistar a amizade de um bicho que dizem ser bastante nervoso. Enfim, ele é meu. Meu amigo. Não se discute mais isso. Sendo assim não levei pra casa o primeiro aquário que vendia na loja. Era muito pequenininho, apertado, quadradão, feio, sem simetria nenhuma. Levei o Beto pra casa num saquinho plástico transparente mesmo e logo arrumei pra ele um dormitório decente. Maior, redondo, bojudo... bonitão. No fundo coloquei pedrinhas brancas. Logo acima outras transparentes, maiores, recheadas com detalhes cor de laranja que pareciam pequenas flores dentro de pedaços redondos de cristal. Evidentemente que não era isso, mas que parecia, parecia. Pra completar o cenário de paz da casa onde o Beto morava dentro da minha casa, arranjei um belo exemplar de uma planta verde. Até que vistosa, mas de plástico... somente plástico. Tão artificial que ficava presa no fundo do aquário por uma ventosa e não colaborava em absolutamente nada pra fotossíntese embaixo d´água. Assim fiquei bastante satisfeito com meu novo propósito. Cuidar de um animal. De um ser vivo. Pra muitos o Beto pode não fazer a mínima diferença no mundo, mas pra mim ele passou a ser um companheiro. Afinal ele vive comigo, no meu quarto. No criado mudo ao lado da minha cama. Passou a ser assim: Todo dia eu acordava com o barulho irritantemente alto do alarme do celular, e acho que ele também. Gostava disso porque nós dois despertávamos bem elétricos. Ele era agitado que nem eu. Por isso me apeguei tanto, me identifiquei tanto. E assim a rotina prosseguia. Acordava cedo, às vezes bem cedo. As primeiras palavras costumavam ser: “Bom dia, Beto”. Não ouvia nenhuma resposta nunca, vê se pode?! Mas, tudo bem, nem me abatia com a ignorância alheia. Mesmo com a falta de educação matinal alimentava meu novo parceiro aquático. Todos os dias, duas vezes por dia. Era sempre assim. Cinco bolinhas de ração de manhã, cinco bolinhas de ração no fim da tarde. No domingo então, era uma maravilha... três refeições. Sempre que eu chegava perto do aquário tentava puxar um papo. Geralmente começava devagarzinho. Elogiando sempre, pra inflar o ego do bicho. Falava pra ele que ele estava bonito. Que estava comendo direitinho, que crescia, ficava forte. Dizia sempre que eu estava muito orgulhoso dele. Mesmo assim só recebia em troca cara feia e olhares de repressão. Isso quando ele olhava pra mim. Não eram raras as vezes em que, por conta de tudo isso, eu ficava bem chateado. Em muitos momentos, quando já era tarde, fui dormir contrariado, pensando que logo ali, ao lado da minha cama, tinha alguém que não estava nem aí pra mim. Mesmo assim, sempre dava boa noite. Aí cheguei à conclusão: De fato o Beto era um ingrato. Isso era inegável. Tratava tão bem dele e a agressividade que eu recebia em troca muitas vezes me incomodava. Sou bem da paz, sabe?! Mas também não posso reclamar muito não. Já sabia que os peixes dessa espécie são brigões, mal encarados. Dizem que um Beta é capaz de matar um outro peixinho que for colocado no aquário dele. E que se esse peixinho for um outro Beta, os dois brigam até morrer de cansaço. Trágico não?! Diante da natureza assassina do meu companheiro de quarto decidi ficar na minha. Vai que sobra pra mim. Daí, antes de dormir, com a cabeça no travesseiro, pensava onde eu tinha errado na educação do “meu querido”. Dizem que o Pit Bull é um cachorro agressivo, mas já conheci vários deles bem mansinhos, dóceis e brincalhões. Vai da criação. Achei que com o Beto poderia ser igual. Por isso sempre tratei dele tão bem. Às vezes até tentava acariciá-lo com a ponta do dedo enfiada dentro da água. Mas o Beto sempre fugia. Confesso: Hoje sinto-me um fracassado. Falhei na missão de educar meu peixe. Sento em frente a ele e aí, quando ele enxerga o próprio reflexo no vidro do aquário fica todo inchado. Chego a pensar que é pra mim. Ele estica as guelras e dá uma clara demonstração de que não consegui fazer dele um amigo do peito. Tudo bem. O animal fica o dia todo nadando na água fresquinha, come bem, descansa quando quer, mora numa casa confortável, com piscina... só piscina, e ainda é estressado. Imaginei que se fosse gente, poderia se tornar a representação de um cara podre de rico, casado com um mulherão, cheio de conforto e ainda assim infeliz, ignorante. Imagina esbarrar num sujeito desse na rua?! Melhor que ele continue sendo peixe. Sabe de uma coisa?! Mesmo assim eu ainda trato ele bem. Permaneço com a esperança de que um dia ele se torne mais bonzinho. Vai que eu convenço o bicho. Só tenho medo de uma coisa: Dizem que ele tem vida curta. Vai ver que é porque logo morre de stress. Espero que o meu peixe não tenha um colapso nervoso. Espero que ele entenda logo, e de uma vez, que o melhor mesmo é viver em paz. Boa noite, Beto!