segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O táxi de um real

Muito me admiro quando recebo o convite para ser repórter no Interior de São Paulo. Cobriria as férias de um jornalista consagrado na emissora. Tarefa a princípio complicada. Mas topei. Paguei pra ver. Achei que a experiência de iniciar em tal função, recém formado, com míseros 21 anos de idade, valeria a pena.
Resolvi conhecer a cidade mesmo antes de começar a trabalhar. Dar um pulo na TV e me ambientar no local que me abrigaria como funcionário por um mês. SMOT era meu nome - serviço de mão de obra temporária. Eu era uma sigla.
Como iria falar com meu mais novo chefe, vestia um terno com cheiro de loja, praticamente reluzente. Bem baratinho, é verdade, mas novo. Tinha acabado de comprá-lo em uma loja de fabricação própria em Sorocaba. Pela exigência do cargo vestia-me bem. Ao chegar na rodoviária desço do ônibus, paletó dobrado no antebraço e gravata justa no pescoço. A TV ficava dentro de um shopping, o único da metrópole interiorana. Itapetininga... poucas vezes tinha ouvido falar da pequena cidade.
Dirigia-me ao ponto de ônibus mais próximo. Ao caminhar em meio à pracinha que ficava do lado oposto às plataformas da rodoviária perguntei ao caboclo que fumava um cigarro de palha encostado num poste:
- Amigo, nesse ponto passa ônibus pro shopping?.
E ele, com olhar de “passa, mas demora”, disse:
- Pega uma táxi que é mais fácil.
Quase ao mesmo tempo em que lhe explicava minha indisponibilidade financeira retrucou:
- Custa só um real.
Ora, cidadezinha pacata, sujeito sossegado – até demais – de repente aparece um “metido a executivo” pedindo informação, pensei: “Esse capiau tá tirando uma com a minha cara.”
Chego no ponto intrigado com a informação recebida há pouco e decido abordar alguém com mais gabarito para esclarecer minha dúvida crucial, praticamente questão de vida ou morte. É quando vejo um tipo “organizador de itinerário”. Homem moreno, com prancheta nas mãos, que checava os horários das paradas.
- Aqui passa ônibus pro shopping?.
- De táxi é melhor, hein!
Vixi, olha o outro de conchavo com o capiau. Deixei rolar pra ver até onde o homem iria chegar.
- Táxi passa rapidinho e custa só um real
Imediatamente meus olhos brilharam e ouvi sinos que anunciavam a confirmação de uma antiga utopia, talvez mais velha que minha própria existência. O táxi custava mesmo um real. Já me imaginei indo pra tudo quanto é lugar, conhecendo todos os cantos, todos os becos, toda a “agitação” da cidade carinhosamente apelidada de “Itapê”.
Ao longe avistei o carro com luminoso no teto. Gostosa e vorazmente ergui meu braço para saciar meu desejo de pagar pela confortável condução, o mesmo preço de um cachorro quente com apenas uma salsicha... e sem vinagrete.
O sorriso arreganhado em meu rosto mais que depressa é transformado em expressão de estranheza quando noto que o táxi que parou para atender ao meu sinal transportava outras três pessoas. O fiscal que me orientava antes, prolongando a gentileza, perguntou ao motorista:
- Deixa ele no shopping?
O motorista, que tinha não mais que sete dentes na boca, responde falando fofo:
- Bora!
Tive vontade de chorar... o táxi de um real, que há pouco despertava em mim sensação quase que orgástica era na verdade uma lotação chique.
No interior do veículo, não tão chique assim, o tapete emborrachado, presente na maioria dos veículos, dava lugar a um pedaço de papelão, sujo pela lama das muitas calçadas ainda de barro do município. O cinto de segurança, rasgado pela ação do tempo sujou minhas mãos só pelo toque. Desisti da proteção. Na primeira curva, o barulho de porta de casa mal assombrada que ecoava da suspensão dianteira do carro dava a impressão de que as rodas iriam rolar para o outro lado da rua. Os passageiros iam descendo, um a um. O monte de notas verdinhas presas entre o vão do painel e da direção denunciavam a pechincha da carona.
Pouco antes de chegar no destino combinado notei que na lotação disfarçada de táxi havia sim taxímetro, mas de tão enferrujado provavelmente deveria estar sem uso há muito tempo.
Um real mais pobre chego na TV. Conheço então a estrutura do local. Estúdio, redação, administrativo, comercial. Tudo ali, praticamente no mesmo ambiente. Gostei do que vi. Converso com o chefe, ele me explica o trabalho, a tônica do jornalismo daquelas bandas. Na hora de ir embora procuro avidamente por um táxi que me deixe na rodoviária novamente. Eis que um deles cruza meu caminho. Faço sinal e ele pára.
- Me deixa na rodoviária? Pergunto.
- Aí sai da minha rota. Responde o motorista.
Meu Deus. Além de carregar a mãe, o cachorro e o papagaio, o táxi ainda tinha trajeto fixo. Era o princípio do fim. Atrasado para tomar o ônibus insisto:
- Mas não tem como?
- Tem, mas fica caro! Responde o motorista bigodudo fazendo cara de mal.
Tinha apenas cinco reais na carteira. Preocupado questiono:
- Caro quanto?
- Dois reais.
- Que abuso!
Indago cinicamente. Fingindo um princípio de indignação entro no carro batendo a porta de maneira a fazer jus ao dito do “não tem geladeira em casa”. Porque afinal de contas, dois reais por um táxi, sem dúvida nenhuma é um absurdo!

Penso... que penso demais

Eu que tão acostumado. Hoje como faço? Não sei. Trabalho tem que ser lazer, ter prazer. Às vezes é difícil. Dá o horário, vou pra casa. Ligo pra muitos, poucos me atendem. Convido, preparo um “téra”. Erva, limão. Anfitrião no interior é assim.
Sento na varanda. Mexo a jarra, deixo a água gelar. Sirvo um copo, bebo, passo. Converso, como converso. Falo de mulher, amor, sexo, dor, ódio. Pouco falo de trabalho, ultimamente prefiro que não entre em casa. Casa tem que ser refúgio. Paz espiritual. Então acendo incenso, coloco música tranqüila, Jack Johnson, provavelmente, apesar do clichê. Posso deitar no chão. Apago a luz, viajo. Sozinho penso. Mas pensar demais entristece. Não gosto de ser triste.
Noite é sempre escura. Nunca tinha sido solitária. Agora de fato é. O que fazer, então? Sair de casa. Mas o incenso continua ali, fumegando o ar. Na rua música, dentro dos ouvidos. Alta, boa. Música é importante, essencial pro equilíbrio. Canso de andar, volto pro lar. O incenso apagou. Mas no ar o cheiro é de paz. Organizo o que estiver fora do lugar. Deito, penso... realmente penso demais!